- Repórter aéreo sobrevoando a zona sul de São Paulo próximo à marginal Pinheiros, onde o trânsito está complicado entre as pontes da João Dias e Morumbi devido ao excesso de veículos e a um caminhão quebrado a cem metros da ponte do Morumbi. Nas proximidades o trânsito também está intenso nas avenidas Victor Manzini junto a Ponte do Socorro, sentido Santo Amaro e avenida João Dias.
- Estas são as informações do trânsito do seu repórter aéreo o amarelinho, e tudo vai muito bem para quem é cliente do... blá, blá, blá, blá, blá..
Chegamos ao grande momento, agora estamos realmente no final do ano, a movimentação nas ruas e lojas é intensa. O comércio prepara-se para grandes vendas, recuperar o atraso. Quem recebeu seu décimo terceiro pensa em gastar, quem não trabalhou pode ter a chance de fazer bicos, de faturar alguma coisa.
A mídia explode em comerciais. É fim de ano e todos vão comprar, nem que seja numa loja de um real, mas vão comprar. Alguns não comprarão nada, todos porém estarão em busca de algo que às vezes se quere tem tempo para decifrar o que seja..
Há mais de dois mil anos atrás no oriente médio, na cidade de Belém..
- José, ele está chegando, posso sentir..
- Calma Maria, vai dar tudo certo..
Pano molhado em água aquecida em forno a lenha é levado à testa de Maria por uma conhecida que ajudava no trabalho de parto, de repente nas ruas de terra como todas as outras ouve-se um choro de bebê..
- Nasceu, ele nasceu, graças a Deus ele nasceu. E veio ao mundo como todos os bebês sempre vieram: nus, indefesos e o choro como sua primeira manifestação de vida. Neste caso, nem bem nasceu e o bebê Jesus teve de ser levado pelos pais ao Egito, pois o rei Heródes inconformado em saber do nascimento daquele que seria o futuro rei, ordenou que fossem mortos todos os bebês com idade abaixo de dois anos..
A data de nascimento de Jesus aceita entre os cristãos é justamente 25 de dezembro. Além de indefeso o bebê Jesus veio ao mundo nascido numa manjedoura, cujo significado no dicionário quer dizer: tabuleiro em que se põe comida aos animais no estábulo. Talvez como meio de confundir autoridades da época que poderiam esperar o nascimento de um rei em qualquer lugar suntuoso, jamais numa manjedoura..
Muita coisa mudou no decorrer de todo esse tempo, porém todo bebê hoje como há mais de dois mil anos vem ao mundo através de uma mamãe, de seu ventre. Chega aqui indefeso, nu e sua primeira manifestação de vida é o choro.
Nesse processo alguma coisa mudou sim, é preciso que se observe: O tempo para abrir os olhos. Hoje o bebê chega a abrir os olhinhos logo no primeiro dia de nascido, o que antigamente levava vários dias para ocorrer. Deve ser um sinal dos tempos, nos dias de hoje é preciso estar com os olhos atentos, tudo muito rápido, o próprio tempo parece passar cada vez mais ligeiro e assim se consomem os dias, os meses, os anos, o tempo..
Os bebês hoje nascem em hospitais e observando um berçário tem-se a impressão de que nascem em série. Choros de nascimento confundem-se com vozes de enfermeiras, médicos, TVs e rádios ligados. Quase não se vê estrela cadente, aliás no céu de uma grande cidade como São Paulo quase não se vê as estrelas.
A grande luminosidade artificial e poluição impedem uma ampla visão. Mas continuam nascendo bebês, trazendo nova esperança, reciclagem de vida. Nascimento, natal.., pensando bem são palavras muito próximas, já experimentou ver no dicionário o que siginifica a palavra Natal? Lá vai: Relativo ao nascimento, onde ocorreu o nascimento.
Nas ruas de hoje o corre-corre de Natal continua crescente ainda mais quando aproximamos da Semana do Natal, do dia 25 de dezembro. É preciso encontrar o presente ideal, o que não é uma tarefa fácil ainda mais quando o movimento é intenso.
Nos hospitais de hoje o movimento também é intenso, e às vezes os pais tem de levar seus filhos ao médico. Noite dessas um pai aguardava na rua em frente ao hospital público, junto com seu filho no carro, o resultado de exames de sua filha que estava acompanhada pela mãe. Enquanto ouvia música no rádio pôde ver um casal com um filho chegando e estacionando seu veículo. Ao descer do carro a barriga da mamãe aparecia muito visível, denunciando uns quase nove meses de gravidez.
- Essa vai fica por aí mesmo, imaginou o papai que aguardava com seu filho.
Entraram no hospital e já eram quase onze da noite. Cansado de permanecer no lado de fora o papai Renato e seu filho Márcio resolvem aguardar na recepção do hospital, ao menos havia uma TV ligada. Dois seguranças também assistiam TV. Numa outra cadeira uma moradora de rua com suas tralhas bem aprumadas em seu colo, lia uma revista, sem interessar-se pela TV. Ela conhecia as regras: Não é permitido dormir na recepção do hospital, por isso mantinha-se ali quita, ao menos estaria mais segura livre do frio. Debaixo de uma das cadeiras encostada à parede, um pequeno cachorro descumpria as regras e dormia um sono profundo, apenas mexia suas patinhas de vez em quando, devia estar sonhando.
Um desses tipos à toa que perambulam pela noite também surgiu ali na recepção com um walkman no ouvido, foi sentando e colocando seus pés com sandálias sobre uma cadeira.
- Tira esses pés sujos aí da cadeira!
A ordem foi logo passada pelo segurança, e prontamente obedecida.
Na TV passava um filme justamente sobre uma época remota onde um povo seguindo seu líder tentava sair do Egito e uma vala se abriu no meio do mar..
Aí surge o comercial, Renato e seu filho resolvem voltar para o carro. Onze e meia da noite, a família com a mamãe quase parturiente retorna. Alarme falso, não seria aquela a noite do nascimento de seu bebê. Uma rápida manobra e vão se embora. Pouco tempo depois onze e quarenta, um carro do IML chega à frente do hospital, adentra por uma entrada lateral e é estacionado. Dez minutos depois o veículo do IML parte dali. Um hospital hoje é como um aeroporto, há o movimento de embarque e desembarque. Quase meia noite, Renato e seu filho Márcio encontram-se com a mamãe e a filha. Tudo certo, era só um vírus gripal, poderia ser tratada pelos pais e eles também partem para casa.
É possível que hoje estejam procurando um presente ideal, já o outro casal deve ter recebido seu bebê, no hospital. E certamente deve ter chegado nu, indefeso e chorando em sua primeira manifestação de vida. Mesmo não sendo um Cristo, é bem possível que um bebê deva saber em sua alma das barras, das injustiças desta vida. Quem sabe preferisse a vida anterior, bem anterior ao nascimento, não tendo escolha no entanto segue firme para sua nova missão e chora ao chegar, trazendo nova esperança e alegria.
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